A Loja
Pelo menos três das Lojas Com História (a Manteigaria Silva, A Minhota, e esta) falam de um tempo em que os lacticínios eram comprados em lojas especializadas na venda de manteiga, as manteigarias; e de leite, as leitarias. Estas, não raras vezes, tinham mesmo uma vaca no local, como se pensa ter sido o caso da Leitaria A Camponeza. As pessoas vinham com os seus próprios recipientes e levavam leite directamente da vaca.
Já foi posteriormente a estes costumes que José Domingues Diogo fundou a Camponeza, em 1907. Aproveitou a clientela que já ali se reunia em torno dos hábitos lácteos e cria fama. Décadas mais tarde torna-se num café, e hoje em dia funciona como restaurante. A actual proprietária tomou conta da loja em 2011. Esta data corresponde a uma remodelação significativa do espaço que, no entanto, salvaguarda os elementos mais importantes que caracterizam o restaurante, sobretudo os painéis de azulejos na fachada e no interior, e a decoração em relevo no tecto, nas vergas e traves-mestras, de inspiração Arte Nova.
À semelhança d’A Minhota, os azulejos decorativos d’A Camponeza retratam temas pastorais e relativos à produção do leite. Remetem para uma cidade com uma periferia extensamente rural mas que, não obstante, uma ruralidade que também invadia o centro boémio, o centro burguês, o centro chique, que eram a Baixa e o Chiado. As novidades que trouxe esta remodelação recente foram o papel de parede, algum mobiliário e os vidros pintados nas paredes. Naturalmente, cada gerência imprime uma atmosfera diferente a um negócio, e são distintas a Camponeza dos anos 80, ou 90, d’A Camponeza de agora. Desde logo, o facto de servir refeições. A clientela também mudou e, mais que nada, mudou muito a cidade.
Durante décadas não se servia refeições, A Camponeza era mais um café, ou uma pastelaria. Não tinham fabrico próprio. Estava mais próxima ao serviço que hoje oferece a congénere Minhota, um quilómetro mais acima. Era um ponto de encontro para uma clientela certa, do bairro, trabalhadores dos bancos e embaixadas e negócios locais, e muitos alunos que desciam das Belas-Artes, na altura ainda arquitectura era ali lecionada. Nesse sentido, além da convivialidade, gerava-se um espaço de tertúlia artística.
É referida sobretudo a música: nos anos 80, contam-nos que Vitorino e Janita Salomé vinham frequentemente lanchar. Os alunos das belas-artes e artistas mais jovens beneficiavam muitas vezes do clima de confiança, de tal forma que ainda se praticava o “livrinho dos que não pagam”, noutros lugares chamado de “fiado”. Além dos clientes de sempre cirandava por ali um gatinho, que era da casa, e se chamava Camponês. O Camponês teve os seus quinze segundos de fama em alguns planos a si dedicados nas “Recordações da Casa Amarela”, de João César Monteiro. Mas mais nostálgico que isso, pelo menos para quem teve infância nos anos 80, é saber que aqui foi filmado o anúncio das bombocas em que o Pai Natal quer porque quer entrar numa certa loja onde estão as suas bombocas, aquelas que supostamente vai oferecer mundo afora, e o funcionário da loja lhe responde a mítica frase: “Ah, bombocas! Só há estas, são para mim!”. A porta onde o pai Natal vai bater não é na Baixa da Lapónia, mas na nossa Camponeza.
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Restaurante.