A Loja
TABACO SÓ AO BALCÃO.
Lê-se numa das placas. Um pouco abaixo:
TABACO PAGO NO ACTO DE ENTREGA,
e logo a seguir: PROIBIDO FUMAR.
Numa curta viagem dos olhos sobre a paisagem de mensagens e símbolos e sinais, logo ali, uma história dos costumes. De quando se fumava dentro das lojas, onde se fumava, quem fumava, já para não falar no tabaco que era pago no “acto” e não no “ato” de entrega. A linguagem muda, os modos mudam, as tecnologias mudam, as lojas mudam. Há quem não consiga lidar bem com isso, para esses é vir à Franco Gravador pedir uma tabuleta que diga É FAVOR NÃO DEIXAR A SUA ESSÊNCIA SEM VIGIL NCIA, PERIGO DE ROUBO, por exemplo, quem sabe ajude. Ou, em vez de “proibido fumar”, ser PROIBIDO MUDAR; em vez de “cuidado com o cão” mandar gravar CUIDADO COM A CRISE; ou uma mesmo boa para a porta de entrada deste projecto:
HISTÓRIAS BOAS SÓ AO BALCÃO.
Neste balcão há imensas histórias boas. Quase todas as plaquinhas para as quais possamos apontar escondem uma. É só pensar naquele negócio com que se sonhou uma vida toda e, no dia de inauguração, imagine-se a pessoa a colocar a tabuleta à porta, o orgulho, o “não acredito que este dia chegou finalmente” cravado junto com o nome da empresa sobre o metal. Aqui, as mensagens mais bonitas estão nas entrelinhas, e os avisos de alarme (Perigo! Proibido! Atenção!) estariam afixados à porta das oficinas que entretanto fecharam. Mas essa é uma história mais triste, deixemo-la para o fim.
É que entretanto entra um senhor, hesitante, com um certo brilho no olhar, olha em volta, demora a desvendar ao que vem: diz que traz com ele uma aliança, nela gravada a declaração de amor do seu primeiro casamento, e pousa-a ao balcão. Não que se lhe veja debaixo dos casacos de inverno, o peito cheio de um novo amor, mas percebe-se tudo na forma como ele pergunta se seria possível apagar o nome “Teresa” e no seu lugar gravar “Margarida”...?
Claro que sim. A Sra. Dulce, directa e prática, trata de tudo sem estranhar nenhum pedido. Viu muita coisa nas décadas em que aqui esteve. Escreveu muitos nomes por cima de outros nomes, muitos amores por cima de rixas, muitas bancarrotas e inaugurações. Sente bem o pulso da Baixa, estando situada no seu epicentro, e porque nos últimos anos tem a visita frequente dos novos vizinhos comerciais, negociantes vindos do Paquistão e do Bangladesh que, com o seu pouco português, ali tentam vir pedir um carimbo. “Stamp, stamp!” A Sra. Dulce estampa os símbolos dessa mudança. Está habituada. Além disso, o que se sente é sobretudo a substituição do labor manual pela máquina, evidente na diminuição do número de clientes, na desvalorização do ofício, e no recente fecho das suas oficinas. Mas essa é a história – potencialmente triste – que tentamos deixar para o fim.
Histórias anedócticas abundam, como as gralhas que ninguém vê – acontece aos melhores – ou as coisas que passam por não serem gralhas, mas também não estarem certas. Reparamos então: “PROIBIDO VIAJAR DE PÉ”! Esta viagem já fez cem anos, em 2016, mas não houve nenhuma comemoração especial, explica-nos. É mais um número, numa casa cheia de números, símbolos, ícones, gravados e recortados, maiores ou menores, é mais um número.
Quando inauguraram, em 1916, estavam na Rua da Prata, e foi em 1944 que transitaram para a Rua da Vitória. O fundador, Joaquim Cândido Franco, passou a firma à filha, que por sua vez a passou à sua filha, Dulce Franco Matos, a gerente até hoje. É ela quem nos conta acerca do recente fecho das oficinas, as tais que funcionavam a dois minutos de distância e onde chegaram a trabalhar dez pessoas. Depois menos, e depois menos. É a expressão de um saber fazer que vai desaparecendo. Casas como esta, enquanto durarem, é onde o vamos salvaguardando, mas raramente há renovação. Se não há oficinas não há aprendizes. Se não há aprendizes, a arte morre com os mais velhos.
Um exemplo feliz de renovação, fruto de uma parceria recente, é a do revigorar da produção própria de carimbos, pelo menos uma pequena selecção que agora pode ser adquirida nas lojas A Vida Portuguesa[1]. Toda a produção que sobrevive é feita na própria loja, pois da antiga oficina ainda mantiveram um pantógrafo. Os carimbos são produzidos a partir de um extenso catálogo de símbolos e formas que a Sra. Dulce foi recolhendo e guardando. Adiciona ao pouco sistematizado espólio de grafismos populares. Nestes dossiers encontra-se de tudo, e era assim que a maioria das casas antigamente escolhiam as suas imagens de marca, a partir destes modelos preconcebidos, onde depois podiam ser integradas letras. São catálogos de uma riqueza difícil de estimar.
Referências & Ligações
[1] http://www.avidaportuguesa.com/loja/catalogo/papelaria/carimbos
Produtos
& Serviços
Carimbos, datadores e numeradores personalizados; trabalhos de gravação